sábado, 31 de janeiro de 2009

Dia 6

Há dias, horas e/ou momentos em que as nossas emoções parecem transportar-nos para um labirinto de perguntas, um mar de dúvidas ou até um universo de negações.

Nessas alturas questionamo-nos acerca dos caminhos que tomamos e das motivações que estimulamos. Contudo, viver passa por isso mesmo e, num mundo em que a realidade supera claramente a ficção, a agressão dos sentimentos acaba por vir a permitir-nos abrir novas portas para os sonhos que irão voltar a fazer-nos lutar para conquistar aquilo que nos parece ser o essencial da vida.

O trágico acontecimento desde dia 30 de Janeiro em Valle de Bravo provocou um enorme impacto em toda a construção que havia sido desenhada no rosto desta equipa e na esperança de uma nação.

O acidente do piloto Suíço decorreu mesmo ao lado dos pilotos da equipa nacional. Nesse momento, o valor da vida de um companheiro de voo parece ser superior aos pontos que se irão perder, à melhor posição de sempre, aos adversários impossíveis de ganhar que neste momento se encontram para trás.

Entre transmissão rádio, lançamento de coordenadas, tentativas de aterragem num local completamente inacessível, condições de voo a roçar a agressividade total, a frustração da tentativa aliada à impossibilidade de chegar onde se pretende e a invasão de milhões de sentimentos contraditórios acabam por desmoronar a muralha, por mais sólida que se tenha apresentado após 5 mangas de aguerrida competição.

Quem está perto não lhe chega e quem está longe não os tranquiliza. Apesar de tudo é necessário conduzir a equipa e tentar transmitir a calma que não nos acompanha e deixar que as palavras lançadas nos 143.350Mhz consigam alcançar o objectivo em que o coração não acredita.

Num só momento voar passou a ser efémero e a vida adquire outro significado. Os pensamentos atropelam-se, o fluxo neuronal vai ao rubro e as milhões de questões surgem como lâminas a cruzar o meu céu. O meu céu! Aquele em que a magia não tem limites e onde um dia a felicidade foi encontrada. Voar neste imenso ar de emoções não permite qualquer tipo de pensamento consciente, opção táctica ou acção estratégica.

É incrível como ainda é possivel estar no ar. Transitar, voltar a subir.
Uma após outra, a conquista do espaço que separa o momento do objectivo permite avançar a cada quilómetro, enquanto as emoções obscurecem qualquer capacidade consciente para fazer o que se pretende. O chão suga ferozmente e a vontade acompanha-o.
Estar no ar não é aquilo que se procura e isso vai custar muito a todos e muito mais a cada um.
O chão! Que chegue o chão! Só o chão pode trazer a tranquilidade há muito esquecida.

O desejo torna-se realidade mas a tormenta não se afasta. O chão aí está mas os sentimentos permanecem. Ainda para mais que este, afinal, nem é o nosso lugar.
Nós somos filhos da grande águia e irmãos do vento. O ar é o nosso leito! O nosso contentamento.
Contudo, os sentimentos não permitem ver mais além apesar de apenas espectadores de uma acção em que papel nenhum poderemos desempenhar, num momento em que milhões de outras coisas se passam e às quais nem sequer poderemos aceder.

O dia avança e o stress adquire, constantemente, novos significados atingindo tudo e todos. Ninguém fica imune, ninguém consegue fugir, a ninguém é permitido esconder. Enfrentemos então a realidade que nos derrota. Olhemos os nosso medos e lembremos quem somos, qual a nossa essência, qual o nosso olhar. É esse o momento em que muitos outros não nos compreendem nem têm de o fazer, é nesse momento que a avalanche das emoções nos apanha e arrasta como um saco velho lançado ao lixo.

Porém, uma luz parece teimar em iluminar a escuridão que nos envolve e o sonho parece reaparecer. Compreendemos a forma que adquirimos e aceitamos o que nos acolhe. É esse o momento do renascimento em cada um de nós. O desabrochar de uma nova forma de estar, de pensar e de aceitar o rumo de tudo o que não depende da nossa vontade. A luz alimenta a vida e permite voltar a olhar o ar como os braços que tão levemente nos acolhem.

Nunca saberemos se a consequência dos acontecimentos em Valle de Bravo no dia 30 de Janeiro de 2009 ocorreriam com as mesmas pessoas se elas não estivessem neste lugar.
Nunca saberemos o que conduziu a esta conjugação de factores que nos permitiu viver este momento tão intensamente.
Nunca saberemos que pessoas seríamos se não nos tivesse sido permitido acolher tais sentimentos e emoções;
Nunca saberemos como seria o mundo à nossa volta se não tivéssemos escolhido voar.

Sabemos sim, que a magia está lá! No ar!
Sabemos, todos aqueles que um dia saíram em direcção a uma nuvem e sentiram o seu paladar, o seu cheiro, o seu tacto.
Sabemos que um dia escolhemos voar, e que a partir do momento em que essa escolha foi feita nos encontrámos e nunca mais fomos os mesmos.
Sabemos que quem já lá esteve, lá quererá voltar, pois esse é o seu caminho, a sua felicidade, a nossa luz.
Conhecemos a felicidade de cruzar os céus num farrapo voador.
Conhecemos o sorriso daqueles que acabaram de aterrar.

Hoje e amanhã, os pilotos não contarão as suas histórias não partilharão as suas emoções de voo, não vos levarão nas suas asas.
Hoje e amanhã, aproveitamos todos para sentir o prazer que temos em voar e, pensemos nos nossos companheiros que voaram para outras paragens, lembremos o seu sorriso, a sua satisfação, a sua felicidade no momentos em que aterravam, nos momentos em que nos ultrapassavam e em todos os momentos em que partilharam connosco esta sua existência.
Lembremos os momentos que tivemos oportunidade de partilhar com eles aquele segredo e aquela magia que só quem voa conhece.
Lembremos todas as pessoas que são importantes para nós.

Segue-se o dia de descanso após 6 mangas. A pontuação, sem dúvida importante, não é mais do que um resumo das experiências vividas, a nossa vida virá a ser muito mais do que isso. No entanto, o dia 1 de Fevereiro voltará a trazer a paz e a vontade de chegar a tudo e todos os que estiverem ao nosso alcance. E, nesse momento, partilharemos a alegria de estar no ar a sorrir e a felicitar os mais rápidos, os mais fortes, os mais altos. Voltaremos a levar-vos nas asas da imaginação e, a fazer, uma após outra, cada uma das 6 mangas que ainda iremos voar neste Campeonato do Mundo 2009 em Valle de Bravo – México.

Obrigado pela vossa partilha.









Paulo Branco

1 comentário:

Gonçalo Velez disse...

Caro Paulo,

Parabéns pela "nossa" participação.
Gostaria de alertar-te para a injustiça que se comete quando, face a um acidente, há pilotos que se esforçam por prestar auxílio enquanto outros continuam a prova. Os que prestam auxílio (ou tentam-no) generosamente prejudicam-se em prol da segurança de outrém.
A organização da prova deveria atender a tal facto realçando o gesto e provavelmente cancelando a manga a fim de demonstrar que a segurança de um piloto é mais importante do que tudo o resto.
Boa sorte aos nossos pilotaços!
um abraço

Gonçalo